O Monitor do Novo Debate Econômico (MNDE) é um agregador  de informações públicas sobre as novas maneiras de pensar a economia expressas no debate econômico da grande imprensa e em outros fóruns da esfera pública.

O debate econômico atual

Por Luciano Alencar

A crise financeira de 2008 fez com que diferentes economistas apontassem para uma mudança na teoria econômica. Diversas ideias, até então marginalizadas, voltaram subitamente à ordem do dia, em especial aquelas defendidas por John Maynard Keynes e Hyman Minsky. Com o advento da pandemia de Covid-19, em 2020, esse movimento ganhou força. Mas até que ponto estamos diante de uma mudança substancial na teoria econômica?

A análise da história do pensamento econômico revela que, de fato, mudanças substanciais na teoria econômica ocorrem a partir de eventos disruptivos. A crise de 1929 possibilitou a chamada “Revolução Keynesiana”, uma vez que a Teoria Neoclássica, até então hegemônica, não oferecia saídas para a profunda depressão observada nas economias capitalistas. De forma análoga, o Keynesianismo do pós-guerra, enfraquecido pelo quadro de estagnação econômica e aceleração inflacionária dos anos 1970, foi sucedido pelo Monetarismo capitaneado por Milton Friedman.

Desde então, a teoria econômica tem sido reformada gradualmente sem mudanças substanciais em seus fundamentos. Ideias como as de que o Estado deve intervir o mínimo possível na economia e que a legislação trabalhista deve ser flexibilizada; que a política monetária impacta significativamente a economia (devendo ser submetida a regras explícitas); e que a política fiscal deve ser deixada em segundo plano ainda fundamentam o arcabouço teórico predominante na academia, na mídia e na formulação de políticas econômicas.

Por um lado, é preciso reconhecer que, a partir dos anos 1980, a inflação foi de fato controlada na maioria das economias capitalistas, que também passaram a observar menor volatilidade de diferentes variáveis macroeconômicas. Mas, por outro, a taxa de crescimento do produto tem sido muito menor do que aquela observada no pós-guerra e, além disso, observa-se um processo contínuo de concentração de renda na maioria dos países.

A crise financeira de 2008 – com seus impactos adversos sobre os níveis de produção e sobre a taxa de desemprego – escancarou as contradições do modelo econômico vigente na maioria dos países. Diversos movimentos, do Occupy Wall Street nos Estados Unidos aos Indignados na Europa, demonstraram a insatisfação social da população, mesmo nos países mais ricos do mundo. E, na academia, diferentes economistas passaram a falar em mudanças na teoria econômica, com um maior compromisso dos governos com os níveis de demanda efetiva e emprego, algum nível de organização das atividades produtivas e a reconstituição das redes de seguridade social. Porém, não foi isso o que se observou.

Depois de uma intensa e rápida intervenção na economia, com trilhões de dólares voltados essencialmente à proteção do sistema financeiro, os governos passaram a adotar as mesmas políticas econômicas, baseadas nos mesmos arcabouços teóricos, de antes da crise. O resultado foi o mesmo observado nas décadas anteriores: baixo crescimento e concentração de renda. Este cenário levou economistas importantes a advogarem um maior uso de políticas fiscais, mesmo antes da pandemia. Correntes heterodoxas como a Pós-Keynesiana e a Modern Money Theory (MMT) ganharam cada vez mais espaço no debate público.

A mudança da teoria e das práticas econômicas ficou ainda mais urgente com o advento da pandemia, pois suas consequências nefastas evidenciaram a necessidade premente de intervenção do Estado, tanto para estimular a demanda, dado que indivíduos e empresas reduziram seus gastos, quanto para organizar a produção – o exemplo do setor de saúde é o mais gritante – e estender a rede de seguridade social, protegendo a população no cenário caótico da crise sanitária e econômica.

Diversos economistas do mainstream, como Olivier Blanchard e Larry Summers, já advogavam por um papel mais ativo do Estado, em especial com maior uso da política fiscal, mesmo antes da pandemia, e a eles se juntam vozes de instituições liberais como o Banco Mundial e o FMI. Os gigantescos pacotes de estímulos fiscais de países como Estados Unidos, Alemanha e França vão justamente nessa direção. Há sinais de mudança no ar, ainda que ela não seja garantida, vide o que aconteceu após a crise de 2008.

Infelizmente, no Brasil, o que se observa é justamente o contrário: a predominância de um ultraliberalismo em dissincronia com a realidade atual. Enquanto o mundo vai na direção oposta, o Brasil diminui o papel do Estado na economia, reduzindo direitos sociais, restringindo (na Constituição!) sua política fiscal, e buscando privatizar importantes empresas. E esse movimento encontra seu espelho no debate público sobre economia, no qual predominam ideias ortodoxas. Se no mundo uma mudança na teoria econômica é desejada e esperada, no Brasil, país que empobreceu e concentrou renda na última década, ela é mais que isso: é urgente. 

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