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Os economistas e o aquecimento global: caminhos possíveis

Por Rafael Cattan

Economistas têm proposto soluções para o problema das mudanças climáticas há décadas. Dependendo da visão do economista, esta solução pode ou não ser enquadrada exclusivamente dentro dos limites da economia de mercado capitalista. As soluções de mercado estão associadas ao paradigma científico da Economia Ambiental (EA), que é a especialização da economia neoclássica que lida com o problema das externalidades ambientais, no caso, mais especificamente das emissões de gases do efeito estufa.

As soluções propostas pela EA, além de possuírem maior aceitação no debate político, influenciam instituições cientificamente influentes, como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

A principal solução desta vertente econômica é a precificação de carbono. Seu preço pode ser formado tanto a partir de impostos sobre a quantidade de dióxido de carbono emitido ou a partir de um mercado, devidamente institucionalizado, no qual agentes negociam cotas de carbono previamente acordadas.

No âmbito teórico da EA, o preço do carbono deve refletir tanto o custo econômico do aquecimento global (ou custo social do carbono), quanto o custo econômico de se evitar emissões adicionais de carbono (custo marginal de abatimento). A estimação de  ambos os custos é feita por meio de modelos econômicos que dão base científica às decisões de precificação, ainda que, na prática, fatores político-institucionais também influenciem tais decisões.

Há uma gama enorme de modelos que se dedicam a esta tarefa, variando de complexidade, objetivos e escopo de atuação. Normalmente, porém, há pressupostos comuns a todos eles. Estes pressupostos derivam da teoria econômica que os baseia, a teoria neoclássica do crescimento. 

O modelo DICE de William Nordhaus é um bom exemplo da EA. Ganhador do prêmio Nobel de economia em 2018 por “integrar as mudanças climáticas na análise macroeconômica de longo-prazo”, Nordhaus estimou o preço ótimo do carbono para a economia global: US$ 91 por tonelada de CO2. 

Por este preço, o custo do abatimento, hoje, é idêntico ao custo dos danos climáticos futuros trazidos a valor presente. É, portanto, a solução “custo-efetiva” para o problema. Sob este preço, o cenário ótimo do seu modelo DICE indica que a terra irá aquecer cerca de 3,5º C até 2100. Para manter a temperatura abaixo dos 2° C até o final do século, a meta global definida no Acordo de Paris (21ª Conferência das Partes (COP21) da ONU), o preço do carbono deveria ser um significativamente maior: US$ 1301

Mas qual a validade destes resultados? 

Estimar os preços de carbono, independente do modelo utilizado, é extremamente desafiador, e a validade dos pressupostos que o baseiam é sujeita a críticas – tanto no que diz respeito à teoria econômica, quanto à teoria do comportamento climático que os baseia. 

Com relação à teoria econômica, por exemplo, assume-se que os agentes reagirão ao preço do carbono de forma mecânica, dado que a forma de produção automaticamente se ajustará aos novos custos de produção. Assume-se, portanto, técnicas de produção potencialmente irrealistas – onde há, necessariamente, a possibilidade de se substituir insumos carbono-intensivos por insumos mais ambientalmente neutros. 

Além disso, dado que o problema climático deve ser visto sob o longo-prazo, a taxa de desconto utilizada para trazer a valor presente o custo do abatimento e o custo dos danos ambientais é fundamental. Como as taxas de desconto são positivas, o consumo presente é por definição mais valioso que o consumo futuro. Quanto maior for a taxa de desconto, menor é o ímpeto das medidas de mitigação, dado que o bem-estar das gerações presentes é relativamente mais valioso que o das futuras. Além de redundar em um problema ético, a escolha da taxa de desconto é fundamentalmente arbitrária.

Com relação às críticas relacionadas à teoria do comportamento do meio ambiente, deve-se frisar o fato de que é virtualmente impossível estimar os danos climáticos resultantes de aumentos de temperatura dentro do espaço de probabilidade esperado (3,3° C a 5,7° C). Para se ter uma ideia, a temperatura atmosférica terrestre na última era glacial era, em média, 6° C inferior à observada hoje².

Além disso, a maior parte dos modelos oriundos da EA não lida com problemas econômicos crescentemente observados nas últimas décadas, como as baixas taxas de crescimento, o aumento da desigualdade social e a instabilidade dos mercados financeiros. 

Existem vertentes de análise econômica, porém, que além de tratar alguns destes problemas, incorporam a questão ambiental de forma diferente da economia ambiental tradicional. O paradigma científico conhecido como Economia Ecológica (EE) é uma destas vertentes.

A proposição central da EE é que o sistema econômico está incorporado na biosfera e, como tal, está fisicamente limitado a ela. O objetivo de crescimento infinito, por tanto, é questionado como tal desde sua origem. A atenção rigorosa à escala econômica é, assim, um dos pilares da EE, ao contrário do foco alocativo da teoria tradicional. 

Baseada neste conceito chave, a EE abrange uma gama bastante heterogênea de tópicos, como a adoção de métricas de prosperidade alternativas ao PIB, a medição dos valores dos serviços ecossistêmicos, o apelo por um padrão de consumo sustentável, a proposta de uma economia sem crescimento, dentre outros.

Uma vertente que vem ganhando espaço dentro da EE é a chamada macroeconomia ecológica. Além de se preocupar com a análise econômica a nível de sistema, agregado, a macroeconomia ecológica abandona a maior parte dos pressupostos neoclássicos. O meio ambiente, assim, não é visto como um conjunto de variáveis a ser incorporadas ao problema econômico, mas sim o contrário. A economia é um subsistema da biosfera, e a análise econômica é condicionada a isto.

A teoria pós-Keynesiana do crescimento é frequentemente empregada neste tipo de análise. Por não depender de princípios de otimização dos agentes, nada garante que mudanças de preços relativos levem a economia a uma trajetória sustentável.

Ao invés de ser a política central dos esforços de mitigação, portanto, a precificação de carbono é uma dentre tantas outras medidas possíveis para a redução das emissões. Além disso, a capacidade de carga da terra, a estabilidade dos recursos e os serviços ecossistêmicos dividem atenção com as emissões de gases do efeito estufa, expandindo a conexão entre meio-ambiente e economia.

Dado que o crescimento contínuo é um dos principais responsáveis pelo crescimento das emissões e da degradação ecossistêmica, a possibilidade de não-crescimento é um tema recorrente explorado pela macroeconomia ecológica e amplamente analisado por meio de modelos.

 Dentre as proposições de políticas, deve-se sublinhar os investimentos verdes; políticas de transferência de renda associadas à taxação de carbono – dado que o custo de vida dos mais pobres é relativamente mais afetado; imposições de metas de redução da intensidade de carbono; regulação financeira; programas de emprego para reduzir horas de trabalho e desemprego; políticas de conservação natural; e  políticas fiscais verdes. Neste último caso, as políticas fiscais não devem ser limitadas à taxação, mas ao próprio investimento estatal em capital carbono-neutro ou P & D.

Como se pode notar, a macroeconomia ecológica possui um amplo leque de políticas. Dado que o sistema não está regulado por métricas de otimização, onde, por definição, existe uma política mais eficiente, a combinação de políticas surge como um novo elemento. Além disso, métricas não estritamente monetárias podem estar associadas aos objetivos de política, mudando os próprios objetivos de política econômica-ambiental.

Há, portanto, um grande campo da teoria econômica dedicada ao problema ambiental que, infelizmente, passa ao largo do atual debate sobre mudanças climáticas. Se tal teoria tem papel crucial no embasamento de políticas, modelos e narrativas para se propor um futuro sustentável, não é possível que se desconsidere alternativas científicas que possam ajudar na compreensão do problema climático. Argumenta-se, portanto, que os modelos da macroeconomia ecológica devem ser instrumentalizados, aprimorados e, finalmente, incluídos na análise econômica do clima. 

Se o aquecimento global é o maior problema do século XXI, não podemos limitar sua compreensão e, consequentemente, a nossa capacidade de propor soluções, a um único paradigma científico. 

¹Ver a apresentação de William Nordhaus a partir de resultados de seu modelo DICE em https://www.nobelprize.org/uploads/2018/10/nordhaus-slides.pdf. Para ver o modelo e suas versões recomenda-se a leitura de sua metodologia em  http://www.econ.yale.edu/~nordhaus/homepage/homepage/documents/DICE_Manual_100413r1.pdf .

²Ver o estudo na integra https://www.nature.com/articles/s41586-020-2617-x.

Rafael Cattan é economista pela UFRJ,  mestre e doutor em economia pelo IE-Unicamp. Foi consultor da agência francesa de desenvolvimento e atualmente é cientista de dados pelo Banco Safra.

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